Relatos emocionados marcam segundo dia de reflexões sobre experiências trans e negras nas artes

Relatos emocionados marcam segundo dia de reflexões sobre experiências trans e negras nas artes

por Ivie Leone

Neste último dia do XIV ENECULT ocorreu o segundo momento do Simpósio “Experiências trans e negras nas artes contemporâneas” no Auditório 2 do PAF V. A mesa, ou melhor, a roda de conversa, contou com a presença de Elton Panamby, artista, mãe, performer, Odarayá Mello, artista e cientista autônoma, e o poeta e estudante de psicologia Kuma França. A mediação ficou por conta do Professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e pesquisador do Grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade (CuS/UFBA) Matheus Santos, que também foi o idealizador do simpósio.

Dada a proposição em construir um simpósio dentro da academia, mas “fora da caixa” do academicismo, as pessoas presentes neste auditório na manhã de hoje fizeram a discussão acontecer organicamente, com uma sensação de proximidade, informalidade e auto reconhecimento entre os presentes.

Dialogando com a fala da Musa Michelle Mattiuzza na mesa de abertura, dia 07 de agosto, sobre racismo institucional e universidade como espaço de privilégio branco cis-heteronormativo, tivemos hoje Odarayá Mello pautando a contradição entre gênero, raça e classe como objeto de estudo versus o protagonismo desses atores na produção de narrativas sobre si. Odarayá é intelectual, artista e autodenominada cientista autônoma; comenta que pretende ingressar na universidade, mas reconhece que a produção de conhecimento perpassa por outros tantos ambientes que não as instituições. Pauta reiterada na fala de Kuma França: “Percebo na academia a apropriação do nosso saber (ancestral)”.

Nessa pulsão, o momento de discussão é aberto para a “mesa” destacando a importância de penetrar os espaços da academia a partir desses outros saberes, das falas sobre experiências e vivências. Kuma citou o conceito de “Escrevivências” de Conceição Evaristo e ainda acrescentou que o movimento de trazer para a academia as perspectivas e análises a partir do cotidiano de uma sociedade que exclui, rotula e violenta, alimenta a discussão para um sentido científico de escuta ativa e reflexão. Para ele, as experiências acadêmicas são extremamente impositivas para a construção do saber, e o perigo mora na capacidade desse lugar em formar opinião e identidade. Portanto, Kuma defende que a postura de questionador/a deve ser assumida nesses espaços, premissa que assume enquanto estudante e ensina enquanto professor.

Para Elton Panamby, a academia deve ser um lugar para reivindicação não só do lugar de fala, como uma alteração de objeto de estudo para o protagonismo, como também do exercício do lugar de escuta, como motor para a empatia. Acrescentou também que: “É impossível homogeneizar as experiências trans e experiências negras, mas que ambas fazem parte de um mesmo universo de invisibilidade”, sendo preciso ocupar uma postura e um espaço fora da “normose”. Nesse sentido, Odarayá contribuiu com a reflexão trazendo a importância do resgate das linguagens negras, para exemplificar as heterogeneidades, transversalidades e multiplicidades que atravessam corpos negros.

A discussão rendeu ainda boas reflexões sobre empreendedorismo negro, ocupação de espaços artísticos e comerciais. Odarayá sinalizou que, sobre esse assunto, sua opinião está “entre o muito bom e péssimo o marketing tocar nas questões identitárias”. Na sua produção artística, o local da arte está no campo do debate, na esfera do simbolismo e auto reconhecimento, enquanto o local do comércio está na esfera da capitalização e de esvaziamento de sentido primeiro. A essa convivência da relação arte e comércio, Odarayá dá o nome de “manobra”.

Além dessa construção de saber coletiva, de discussão e de troca, o simpósio fechou o último dia do XIV ENECULT com chave de ouro, fazendo todo mundo presente no auditório se emocionar e se reconhecer nas histórias de vida, nas poesias, nas literaturas trazidas. Esta experiência certamente coloca o ENECULT como um espaço de contestação, de reconstrução de paradigmas sobre o conhecimento e o saber, de novas construções sobre a academia e sobretudo de novas concepções.

Fotos de Dan Figliuolo